Livro
nunca lido!
Certo
dia, e nem faz tanto tempo assim, caminhava pelo centro da cidade quando me
deparei com um Sebo que ainda não conhecia. Resolvi entrar, tanto pela curiosidade de conhecer o acervo e pela expectativa de
encontrar algum livro interessante, bem como pelo tentador “convite” do
ambiente refrigerado, ideal pra refrescar um pouco o cocuruto que naquele
instante fritava sob o sol mossoroense.
Peguei
um livro de título que naquele momento pareceu interessante, mas que agora confesso
nem recordar qual era, e o analisei por um instante. Ainda com o livro em mão,
fiz meia volta e dei logo de cara com uma das vendedoras que, parecendo
decifrar de plano o meu constante “torcido de venta” - um ato involuntário, causado
por uma espécie de coceira incessante causada em meu nariz por ambientes
empoeirados ou frios, também conhecido por “sesto” ou “mungango” lá no interior
mais remoto – de imediato falou:
Livro
nunca lido! Vinte reais. E rematou: Um no plástico é uns 100 reais.
Continuei
mudo. Apenas acenei com a cabeça como quem diz “muito obrigado pela informação”.
Voltei a mirar a estante repleta de livros, porém, sem conseguir me concentrar
e tirar da cabeça aquela história de “livro nunca lido”. Ora, como alguém pode
ter certeza que um livro nunca foi lido? Como garantir que ninguém nunca leu,
nem que rapidamente, a orelha da obra? Eu tinha acabado de fazer isso... Então,
desvalorizei o produto? Ah, e por quais motivos a informação “nunca lido” pode
agregar algum valor ao livro?
Ainda
envolto por aquela frase, passei a imaginar qual valor teria então o livro já
lido. E aquele bem lido e com diversas anotações deixadas por seus vários
leitores, então? E o que além de lido traz uma poesia rabiscada na contracapa,
obra de um momento solitário de saudade e inspiração? E aquele que além de lido carrega em suas páginas dedicatória escrita por alguém especial? E aquele livro que
de tão lido traz marcas dos momentos de leitura, tipo aquela nascida num dia de
chuva em que acidentalmente suas páginas foram banhadas por café? Afinal,
quanto haverá de valer um livro lido?
Naquele
momento, fiquei a pensar em tal dilema, porém sem conseguir chegar a uma
conclusão. Mas agora pensando bem, sei lá, talvez num país como o Brasil, de tão
poucos leitores e de inúmeros problemas na área de educação, talvez o livro
lido devesse ter valor, pelo menos moral, bem maior que o livro nunca lido. E já
que vivemos o momento de tantos programas sociais, talvez fosse o caso de ser
criado o programa “Bolsa Livro Lido”. Assim, o Governo pagaria um valor mensal
a quem tivesse livros lidos. E quanto mais livros lidos, e tanto mais fossem lidos
os livros, maior o valor da bolsa recebida.
Ah,
e quem sabe, influenciados pelo programa governamental e pela grande (Deus
abençoe que sim...) busca por livros, sebos e redes de livrarias não criariam
um segmento exclusivamente para livros lidos. Colocariam estantes e mais
estantes de livros lidos para deleite dos clientes, e bem ao lado uma placa
avisando: Seção de livros lidos. Todos completamente já lidos. Alguns tão lidos
que suas páginas contam outras histórias além das originais.
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