sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Livro nunca lido!

Livro nunca lido!

Certo dia, e nem faz tanto tempo assim, caminhava pelo centro da cidade quando me deparei com um Sebo que ainda não conhecia. Resolvi entrar, tanto pela curiosidade de conhecer o acervo e pela expectativa de encontrar algum livro interessante, bem como pelo tentador “convite” do ambiente refrigerado, ideal pra refrescar um pouco o cocuruto que naquele instante fritava sob o sol mossoroense.

Peguei um livro de título que naquele momento pareceu interessante, mas que agora confesso nem recordar qual era, e o analisei por um instante. Ainda com o livro em mão, fiz meia volta e dei logo de cara com uma das vendedoras que, parecendo decifrar de plano o meu constante “torcido de venta” - um ato involuntário, causado por uma espécie de coceira incessante causada em meu nariz por ambientes empoeirados ou frios, também conhecido por “sesto” ou “mungango” lá no interior mais remoto – de imediato falou:

Livro nunca lido! Vinte reais. E rematou: Um no plástico é uns 100 reais.

Continuei mudo. Apenas acenei com a cabeça como quem diz “muito obrigado pela informação”. Voltei a mirar a estante repleta de livros, porém, sem conseguir me concentrar e tirar da cabeça aquela história de “livro nunca lido”. Ora, como alguém pode ter certeza que um livro nunca foi lido? Como garantir que ninguém nunca leu, nem que rapidamente, a orelha da obra? Eu tinha acabado de fazer isso... Então, desvalorizei o produto? Ah, e por quais motivos a informação “nunca lido” pode agregar algum valor ao livro?

Ainda envolto por aquela frase, passei a imaginar qual valor teria então o livro já lido. E aquele bem lido e com diversas anotações deixadas por seus vários leitores, então? E o que além de lido traz uma poesia rabiscada na contracapa, obra de um momento solitário de saudade e inspiração? E aquele que além de lido carrega em suas páginas dedicatória escrita por alguém especial? E aquele livro que de tão lido traz marcas dos momentos de leitura, tipo aquela nascida num dia de chuva em que acidentalmente suas páginas foram banhadas por café? Afinal, quanto haverá de valer um livro lido?

Naquele momento, fiquei a pensar em tal dilema, porém sem conseguir chegar a uma conclusão. Mas agora pensando bem, sei lá, talvez num país como o Brasil, de tão poucos leitores e de inúmeros problemas na área de educação, talvez o livro lido devesse ter valor, pelo menos moral, bem maior que o livro nunca lido. E já que vivemos o momento de tantos programas sociais, talvez fosse o caso de ser criado o programa “Bolsa Livro Lido”. Assim, o Governo pagaria um valor mensal a quem tivesse livros lidos. E quanto mais livros lidos, e tanto mais fossem lidos os livros, maior o valor da bolsa recebida.


Ah, e quem sabe, influenciados pelo programa governamental e pela grande (Deus abençoe que sim...) busca por livros, sebos e redes de livrarias não criariam um segmento exclusivamente para livros lidos. Colocariam estantes e mais estantes de livros lidos para deleite dos clientes, e bem ao lado uma placa avisando: Seção de livros lidos. Todos completamente já lidos. Alguns tão lidos que suas páginas contam outras histórias além das originais.

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