sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Caíssa

Caíssa

Duas da tarde. O sol brinca de aparecer e esconder-se por entre nuvens. Mesmo assim, em momento algum ele se esquece de abraçar a cidade e demonstrar todo o seu afetivo calor. Na cidade tudo normal, trânsito louco e calçada repleta de pessoas num vai e vem frenético. De agradável mesmo apenas o tradicional ar de sexta-feira, aquele cheirinho de final de semana se aproximando.

Caíssa tem pressa, pois está atrasada para o trabalho, e ajeita os últimos detalhes da roupa enquanto já fecha a porta de casa. Porém, na verdade, preferiria mesmo era ficar dormindo, por ter trabalhado muito no dia anterior e seu corpo agora pedir descanso. Na verdade mesmo, ela nem queria ir para o trabalho. Vai somente por conta de ainda ter um ano de mensalidades da faculdade pela frente, metade de um enorme carnê de seu carro, aluguel, quatro ou cinco sapatos que ela ainda nem usou, duas bolsas que ela não sabe por qual motivo comprou e algumas outras continhas básicas que só a alma feminina compreende.

Já tem um bom tempo que Caíssa se cansou do que faz. Às vezes, até imagina que era feliz, e não sabia, quando trabalhava naquela lojinha da mãe de uma amiga de infância. Todavia, Caíssa quer concretizar o sonho de ser arquiteta, e não via como conseguiria pagar a alta mensalidade do curso se continuasse ganhando o que a mãe de sua amiga podia pagar como salário. Caíssa sempre achou que pra realizar seus sonhos vale fazer alguns sacrifícios, e então seguiu. Tinha que arrumar algum emprego que pagasse bem, mesmo que fosse um trabalho duro, e conseguiu...

Caíssa acelera. Os semáforos parecem não colaborar; ela então aproveita pra arrumar a maquiagem. Num desses semáforos da vida, ela ri quando vê que mais do que nunca seu instinto materno vem falando alto, e, sonhando com o dia que poderá realizar seu desejo de ser mãe e formar uma família, fica observando admirada uma família cruzar a faixa de pedestre. Ela deseja ter ao seu lado um homem que a respeite como mulher, um filho para educar e dar carinho... Um buzinaço! Caíssa retorna ao mundo real, olha o relógio e percebe que se encontra 10 minutos atrasada.

Caíssa é daquele tipo de mulher que causa torcicolo. Alta, loira, corpo esculpido em aulas de dança e academia e, o que mais se destaca, possui olhos verdes que instigam o perigo. É também muito inteligente. Gosta de literatura. Conhece alguns poemas e adora recitá-los de cor. Tem bom gosto musical. Fala sobre política, religião e arte. Conhece as obras de um ou outro filósofo. Sabe até explicar quando um jogador encontra-se em impedimento...

Porém, mesmo com tantas qualidades, Caíssa não sabe o que é amar e ser amada há um bom tempo. E ela até sabe o motivo: o trabalho toma todo seu tempo e energias. Além do que, não acredita que algum homem entenda sua opção e que ela trabalha tanto apenas para realizar um sonho cada vez mais próximo. Mas, sempre foi sabedora que tinha um preço a pagar, e resolveu seguir.

O que lhe dói pra valer, porém, é ter que ficar longe de casa e não ter o carinho dos pais. Ela sente falta do amor da mãe e do afeto do pai e de seus cinco irmãos. Mas ela sabe que tem que trabalhar duro. E o que acalenta um pouco seu peito sofrido é saber que o dinheiro que manda pra sua mãe ajuda a melhorar a vida de todos que ficaram naquela cidadezinha perdida num interior qualquer.

Caíssa chega ao seu local de trabalho. Pega o telefone e antes de ligar pede proteção a Deus; é religiosa. Pede que seja mais um cliente gente fina e que nada de ruim lhe aconteça. Pra tomar coragem, lembra-se de seus sonhos e, também, que este é um dia a menos de trabalho, e não mais um dia. Ela liga...

- Alô

- Oi, amor! Desculpa pelo o atraso.
- Tudo bem.
- Qual o número do seu quarto?
- 38
- Ok. Vou apenas confirmar na recepção. Já tô chegando. Um beijo...

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Livro nunca lido!

Livro nunca lido!

Certo dia, e nem faz tanto tempo assim, caminhava pelo centro da cidade quando me deparei com um Sebo que ainda não conhecia. Resolvi entrar, tanto pela curiosidade de conhecer o acervo e pela expectativa de encontrar algum livro interessante, bem como pelo tentador “convite” do ambiente refrigerado, ideal pra refrescar um pouco o cocuruto que naquele instante fritava sob o sol mossoroense.

Peguei um livro de título que naquele momento pareceu interessante, mas que agora confesso nem recordar qual era, e o analisei por um instante. Ainda com o livro em mão, fiz meia volta e dei logo de cara com uma das vendedoras que, parecendo decifrar de plano o meu constante “torcido de venta” - um ato involuntário, causado por uma espécie de coceira incessante causada em meu nariz por ambientes empoeirados ou frios, também conhecido por “sesto” ou “mungango” lá no interior mais remoto – de imediato falou:

Livro nunca lido! Vinte reais. E rematou: Um no plástico é uns 100 reais.

Continuei mudo. Apenas acenei com a cabeça como quem diz “muito obrigado pela informação”. Voltei a mirar a estante repleta de livros, porém, sem conseguir me concentrar e tirar da cabeça aquela história de “livro nunca lido”. Ora, como alguém pode ter certeza que um livro nunca foi lido? Como garantir que ninguém nunca leu, nem que rapidamente, a orelha da obra? Eu tinha acabado de fazer isso... Então, desvalorizei o produto? Ah, e por quais motivos a informação “nunca lido” pode agregar algum valor ao livro?

Ainda envolto por aquela frase, passei a imaginar qual valor teria então o livro já lido. E aquele bem lido e com diversas anotações deixadas por seus vários leitores, então? E o que além de lido traz uma poesia rabiscada na contracapa, obra de um momento solitário de saudade e inspiração? E aquele que além de lido carrega em suas páginas dedicatória escrita por alguém especial? E aquele livro que de tão lido traz marcas dos momentos de leitura, tipo aquela nascida num dia de chuva em que acidentalmente suas páginas foram banhadas por café? Afinal, quanto haverá de valer um livro lido?

Naquele momento, fiquei a pensar em tal dilema, porém sem conseguir chegar a uma conclusão. Mas agora pensando bem, sei lá, talvez num país como o Brasil, de tão poucos leitores e de inúmeros problemas na área de educação, talvez o livro lido devesse ter valor, pelo menos moral, bem maior que o livro nunca lido. E já que vivemos o momento de tantos programas sociais, talvez fosse o caso de ser criado o programa “Bolsa Livro Lido”. Assim, o Governo pagaria um valor mensal a quem tivesse livros lidos. E quanto mais livros lidos, e tanto mais fossem lidos os livros, maior o valor da bolsa recebida.


Ah, e quem sabe, influenciados pelo programa governamental e pela grande (Deus abençoe que sim...) busca por livros, sebos e redes de livrarias não criariam um segmento exclusivamente para livros lidos. Colocariam estantes e mais estantes de livros lidos para deleite dos clientes, e bem ao lado uma placa avisando: Seção de livros lidos. Todos completamente já lidos. Alguns tão lidos que suas páginas contam outras histórias além das originais.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

De volta!

Retomando um velho hábito que estava adormecido... Voltar a rabiscar e publicar alguns textos... Um ou outro escrito!

Gosto de vez por outra colocar no papel algumas ideias. E, dizem, ninguém escreve para si, mas, sim, para os outros, para os leitores, mesmo que poucos, como no caso deste singelo torturador da língua portuguesa.

Vamos lá!