terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Procura-se...

Procura-se...

Era o que estava escrito: “Procura-se”. A tinta fresca, o pincel ainda melado e um restante de tinta numa lata denunciavam que a expressão havia sido recentemente pintada e que, aparentemente, o letreiro ainda seria completado. Entretanto, o que nem o mais atento observador conseguiria era naquele momento descobrir o autor daquele enigmático “Procura-se”. Ninguém nas proximidades. Compondo aquele cenário, apenas alguns pedestres apressados e eu.

Passava pouco das duas da tarde. Já estava atrasado para o trabalho, confesso meio que sem remorso e com o espírito de quem anda sem paciência para rotinas maçantes. Tinha parado a caminhada rumo ao trabalho havia pouco tempo. Resolvi curtir a praça e a sombra das árvores, pra aliviar um pouco o calor. Nisto acabei me deparando com aquela cena inicialmente banal, mas que logo me tomou de curiosidade: “Procura-se”. Procura-se o quê? Quem procura? E por qual motivo?

Acompanhava com o olhar cada pessoa que caminhava em direção ao cenário e tentava adivinhar se não seria ela a autora daquele letreiro. Mal visualizava a fisionomia do caminhante e já fazia suposições do que iria ser escrito logo em seguida do “Procura-se”. Eram momentos de tensão e expectativa, num jogo de adivinhação que naquele instante servia de distração para uma tarde quente e abafada de uma segunda-feira.

Fiz diversas suposições, utilizando os mais variados critérios e os conjugando com a altura, o peso, a cor do cabelo, suposta idade, possível estado civil e time do coração. Cada candidato ou candidata que aparecia fazia com que pipocassem hipóteses. Procura-se: “trabalho”, “casa com três quartos e garagem”, “carro”, “mestrado em Física Quântica”, “namoro”, “casamento”, “cachorro”, “bicicleta”, “amante”, “aulas de balé”, “professor de esperanto”, “a repipoca da parafuseta”, caramba!

Em certo instante passo a imaginar como seria se nos fosse concedida a possibilidade de escrever num anúncio o que andamos procurando em nossas vidas. Nada de necessidades banais. Falo das necessidades da alma. Tantos não sofrem por aí por não serem ouvidos ou por não saberem falar o que sentem, não é mesmo? Sairíamos então espalhando por aí cartazes de “Procura-se”, e analisando as necessidades alheias. Funcionaria? Acho que…


Perdi-me por um instante analisando essas questões filosóficas e existenciais e não me dei conta que o autor do anúncio chegou, pegou todo seu material e retirou-se. Bem longe, já entrava num ônibus. Corri desesperadamente, pois, tenho que confessar, não me contentava a ideia de ficar sem saber o que era procurado… Não deu. O relógio já passava das quinze e trinta da tarde. Apressei o passo rumo ao trabalho, já que, pelo menos por enquanto, não passava pela cabeça a ideia de procurar um novo emprego.